Como Escrever Um Roteiro de Cinema – Primeiro Ato
Como Escrever Um Roteiro de Cinema – Segundo Ato
Eu tenho uma boa e uma má notícia para você, caro(a) roteirista almejante, e elas são a mesma, você não irá conseguir vender o seu primeiro roteiro.
A maior queixa de escritores hollywoodianos – fora a contra o contracheque, é quanto a falta de controle sobre as suas obras. Uma vez que o seu roteiro é vendido, você renuncia todo o controle criativo para a entidade que o adquiriu, ou seja – e perdoe a minha linguagem – se eles quiserem limparem a bunda com o teu roteiro, não há muito que você possa fazer.
Para estes profissionais, ou para qualquer roteirista com a ambição de vender o seu trabalho para produtoras, esta cede de controle começa mesmo antes do roteiro ser escrito, pois para que ele seja comercializável – nos olhos de produtores – ele precisa se encaixar em certos parâmetros, como, faixa etária, sexo, tipo, etc, para atrair a maior quantidade possível de clientes pagantes, de preferência, que seja uma comédia PG, para pessoas entre 5-65 anos e de ambos os sexos, também conhecido como, todos os blockbusters do verão.
Mas como você não irá conseguir vender os seu primeiro roteiro, ao menos que tenha contatos ou sorte no patamar de loteria, aqui vai a boa notícia, você não é obrigado a atrelar o seu roteiro a parâmetros marqueteiros, tendo assim a total liberdade de escrevê-lo como imaginar, como um retrato da vida, onde cenas de comédia e drama acontecem quando o momento evocar, de romance e sexo quando os personagens permitirem, e as de suspense, terror e trama de acordo com a sua história e não com a mente em produzir um produto para prateleiras.
Concordo que certas limitações muitas vezes ajudam na criação e nem todos nós queremos criar cinema verité – como Hitchcock disse, “I don’t make slices of life, I make slices of cake.” Traduzindo, “Eu não faço arte, eu faço entretenimento.”
Acabei de me lembrar de uma relato de uma garota sequestrada, no documentário Manda Bala que é a cereja no topo do “cake”. Depois da pobre coitada perder um pedaço da orelha ou dedo – não recordo, ela foi jogada em um quarto com uma TV ligada e obrigada a assistir filmes de terror, pois era semana Hitchcock na Globo.
“Já que ninguém quer comprar o meu roteiro, o que devo fazer?”
A oito anos atrás, quando eu tive a minha epifania e descobri que o que eu queria fazer da vida era escrever roteiros, sendo um realista, cinco minutos depois cheguei a conclusão de que se eu quisesse vê-los produzidos, eu teria que produzi-los eu mesmo.
Aqui nos EUA existe a expressão idiomática, “wear many hats”. Significa que uma pessoa exerce várias funções além de sua função principal, normalmente por necessidade. Então, se você quiser ver o seu roteiro produzido e não engavetado, você terá que usar ao menos o chapéu de produtor.
Na maior parte dos meus projetos, eu uso o chapéu de roteirista, produtor, diretor, cinematógrafo e editor, mas você não precisa aprender sobre todos os estágios de produção para realizar o seu projeto, caso não tenha tempo e interesse, concentre-se no cargo de produtor.
Trocando em miúdos, você, como produtor, é responsável por, custear o seu projeto, encontrar uma forma de financiá-lo, contratar um diretor e cinematógrafo, e possivelmente ajudar na procura de locações e testes com talentos.
“Como crio um orçamento para o meu filme?”
Como ouvi uma produtora dizendo outro dia – o que pareceu estúpido a princípio mas é a pura verdade, “Qualquer filme pode ser feito por qualquer quantia de dinheiro.”
O Titanic de James Cameron, que custou duzentos milhões de dólares poderia ter sido feito por dois. Apenas a réplica do navio, custou U$40 milhões, e o “tanque d’água” para a réplica, mais U$17 milhões. Sim, não seria o mesmo filme, algumas cenas teriam que ser alteradas, outras sacrificadas, mas é impossível saber se seria um filme pior ou melhor.
No filme De Volta Para O Futuro, a máquina do tempo foi inicialmente projetada para ser um refrigerador que viajava para um local de teste nuclear, mas por razões orçamentais tiveram que resolver o problema com criatividade. Hoje é difícil imaginar o filme sem o DeLorean DMC-12.
O Christopher Nolan não iniciou sua carreira dirigindo filmes de duzentos milhões de dólares. Seu primeiro filme, Following (1998), foi feito com seis mil dólares. A produção levou um ano – dez vezes mais que o normal, e ele usou casas de amigos e familiares como locais de gravação. Memento, o seu segundo filme que o colocou no mapa, custou apenas cinco milhões e, na minha opinião, não deixa nada dever ao A Origem (2010) que saiu por U$160 milhões.
Mesmo filmes que custam dezenas ou centenas de milhões de dólares comprometem cenas devido a custos de produção. Lembre-se, quanto menos dispendioso, mais tangível será a produção do seu roteiro e, consequentemente, mais atraente ele será para a maioria de investidores.
“Agora que eu sacrifiquei a minha cena de 100 milhões de dólares, como substituo-a com uma de 100 reais?” Simples, com drama.
Todos nós já assistimos filmes onde o personagem principal assiste a proverbial “tinta secando na parede” em seu momento existencial que nos leva a questionar a nossa própria existência – de tanto tédio. Em seu famoso memorando que escreveu para a sua equipe de roteiristas, o dramaturgo David Mamet – escritor de O Sucesso A Qualquer Preço (1992) – afirmou,
“As pessoas não irão ligar os seus televisores para assistirem informação. Você não iria, eu não iria e ninguém irá. A audiência irá apenas sintonizar e permanecer sintonizados para assistir drama.”
“Nós, escritores, devemos indagar de cada cena estas três perguntas:
- Quem quer o que?
- O que acontecerá caso ele(a) não conseguir o que quer?
- E por quê agora?
Mamet continua, “…se a cena lhe entedia, pode acreditar que irá entediar quem ler, irá entediar os atores, e, consequentemente, irá entediar os espectadores, e todos nós vamos acabar na fila do pão.”
“Toda cena deve ser dramática. Isto significa que o personagem principal deve sentir uma urgência simples e direta de aparecer na cena. Esta urgência é a razão por que ele(a) apareceu. É o resultado da cena, e esta necessidade de suprir esta demanda levará ele, no fim da cena, ao fracasso, e este fracasso, logo, nos impulsionará para a próxima cena”
[textblock style=”2″]Para ler o memorando traduzido na integra, confira este artigo no blog do português Jõao Nunes, repleto de conteúdo sobre screenwriting – ou o que os Portugas chamam de “escrita de guião”.[/textblock]
“Mas como crio drama em roteiros?”
Construa Histórias Não Lineares
Você já deve ter percebido que nem todo filme procede a sua linha do tempo de forma linear. Alguns filmes, começam no começo e terminam no fim, mas outros começam no meio ou no fim e terminam no fim. Uma vez que seus roteiros são finalizados, muitos escritores alteram a ordem das cenas para criar interesse ou suspense.
O seriado Damages fez uso desta artimanha em todas as suas temporadas. Eles começam seus episódios mostrando a personagem principal “morta”, por exemplo, o que leva o espectador imediatamente a questionar, mesmo que subconscientemente, “Como?”, “Quem?” e “Por quê?”
Comece as Suas Cenas no Meio
Tente manter a sua história sempre à frente da sua audiência.
Digamos que o seu personagem principal seja um chefe de cozinha. Ele está vestido chefe – calça de chefe, jaqueta branca de chefe e sapatos croc – amargurado e comendo um hambúrguer no McDonalds. Instintivamente, você irá tentar avaliar a situação. “Por quê um chefe de cozinha está comendo fast food? Se ele gosta tanto assim de um Big Mac, por que então ele está triste?”
Você então corta a cena para dentro de um apartamento, onde o sujeito chega em casa, para a surpresa de sua esposa, e deixa a sua audiência descobrir por conta própria, que a justificação de tudo ocorrido até então, é ele ter acabado de ser despedido.
Muitos escritores teriam o impulso de começar a cena no restaurante, com o dono do estabelecimento mandando-o chefe para o olho da rua. Neste caso, a audiência estaria passo-a-passo com a história, sem a oportunidade de examinar e indagar. Ao revelar de cara o motivo do estado melancólico do personagem, nós perdemos a isca e somos obrigados a “pescar” a audiência usando “arpão”, ou seja, com cenas melodramáticas, como as de novelas mexicanas.
“Deixe a audiência somar dois mais dois, eles irão te amar para sempre!”
Ernst Lubitsch
Crie um “Low-Point” para O Seu Personagem Principal
O que eu estou prestes a escrever irá estragar um pouco a sua experiência no cinema. Chego até a dizer que será um spoiler, mas você, como escritor, não está aqui para ser entretido, você está aqui por que quer entreter… Então, preste atenção no próximo filme que assistir, e note que mais ou menos uma hora dentro do filme – para filmes de noventa minutos e proporcionalmente para outros – o personagem principal sofrerá uma experiência avassaladora.
Este é o instante em que o personagem principal perde todas as esperanças de atingir o objetivo que ele ou ela vem traçando durante o primeiro e segundo atos, quando o antagonista ou um poder maior parece ter derrotado-o(a).
Em comédias românticas, este momento é quando um dos personagens principais sente-se obrigado a terminar o relacionamento, por que a outra pessoa o traiu, ou porque ele ou ela decidiu manter o casamento infeliz por consideração ao(s) filho(s), ou precisa ir para outro estado ou país para uma oportunidade de emprego que paga um zilhão por mês, e assim por diante, mas que, inevitavelmente, ele ou ela irá mudar de ideia e retornar a pessoa amada no fim do filme – de preferência em uma cena em câmera lenta.
O ponto baixo é tão fundamental quanto o incidente catalisador (inciting incident), e será o que irá gerar toda a ação nos últimos trinta minutos do seu filme. O mesmo é válido para todos os tipos de filmes.
Em Dia de Treinamento, este momento ocorre quando o personagem do Ethan Hawke descobre que o seu parceiro é realmente um bandido e quer assassiná-lo. E em Os Suspeitos, o ponto baixo é quando o personagem do Hugh Jackman… Não vou estragar para quem ainda não assistiu, mas em poucas palavras, o low-point é quando o personagem chega no “fundo do poço”, ou do buraco – “piscadela“.
Quero enfatizar que todas as regras sugeridas aqui, são exatamente isto, meras sugestões. Você provavelmente já leu ou irá ler vários “gurus” insistindo que narração sobreposta (voice-over narration) é inadmissível, que o escritor deve contar a estória apenas através de imagens e diálogos, que você nunca deve escrever um roteiro com mais de 120 páginas ou criar mais de dez personagens – para evitar dissipar a atenção de personagens principais… que escrever monólogos de mais de meia página é indício de roteirista amador e etc.
O novo filme do Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street, começa e termina com narrações do personagem principal. O roteiro tem 137 páginas, um monólogo de mais de três páginas e certamente mais de dez personagens. Não sinta-se reprimido ou amputado por “regras” originadas de gurus, de mim, ou mesmo de roteiristas renomados, tire o que você precisa e descarte o resto.
Irei deixá-lo com uma frase do diretor Mike Nichols para você refletir sobre o seu roteiro,
“Todo bom filme é sobre algo e algo mais.”
Comentários de nossos membros