Quando Michel Hazanavicius fez o seu discurso ao receber o Oscar de melhor diretor pelo O Artist (The Artist, 2012), ele finalizou enunciando, “Billy Wilder, Billy Wilder and Billy Wilder” – naquele momento eu sabia exatamente o que ele quis dizer.
Sim, Hazanavicius estava agradecendo Wilder por inspirá-lo através de suas inúmeras obras-primas*, mas o falecido diretor polonês tinha sido mais que um ídolo para o diretor francês – Billy Wilder foi seu amuleto.
Algumas profissões são para poucos. Eu não digo isto porque dirigir filmes seja mais especial do que tratar enfermidades ou catar lixo – na verdade, médicos e lixeiros executam funções essenciais na sociedade, ninguém vai morrer e nenhuma cidade irá se deteriorar caso não existam mais filmes. Quando digo que ser diretor de cinema é para poucos, digo literalmente. Em um determinado momento, digamos, durante um ano, existem cem ou menos diretores na ativa aqui nos EUA, isto é um número ínfimo quando comparado a quase qualquer outra profissão, como por exemplo, engenharia civil. Quantos prédios estão sendo construídos apenas na sua cidade neste exato momento? Provavelmente, mais de cem.
O meu “pai” é engenheiro civil, e o nome dele – ironicamente neste caso – é Oscar. Depois de quase uma década sem vê-lo, ou falar com ele, os nossos caminhos se cruzaram por motivos menos que ideais. Em um conversa forçada, em uma sala de espera, depois de esgotar a conversa fiada sobre o tempo e outros temas cotidianos, ele me perguntou, “Então Vinícius, que tipo de carreira você quer seguir?” – isto, depois de eu estar ingressado a mais de um ano na faculdade de cinema – eu respondi, “Diretor de cinema.” Com um tom confiante e seguro, que apenas a sinceridade pode conceber, ele perguntou/respondeu com um sorriso irônico, “Você acha que vai ser diretor de cinema só porque você quer?”
Confesso que demorou um tempo para eu entender que o comentário não tinha sido malicioso. Concordo que um pai, quase por definição, deva acreditar e apoiar o sonho de um filho, seja a “ilusão” ser diretor de cinema ou mudar o mundo, mas vejo hoje que o seu comentário foi desprovido de malícia.
Em um país como o Brasil, onde nove em cada dez universitários fazem medicina, engenharia ou advocacia – ok, eu inventei esta estatística, mas não duvido que seja algo semelhante – diretor de cinema ou roteirista não estão entre as carreiras que proporcionam um futuro financeiro estável para a maioria de nós sonhadores – por exemplo, um dos meus professores perdeu até a casa financiando seu filme que mal saiu do storyboard.
Não me entenda mal, eu desejo que você atinja notoriedade com o seu primeiro curta, e que mencione o Curso de Cinema – três vezes – no seu discurso, mas a realidade é que sucesso, tanto financeiro, quanto pessoal, é um caminho árduo e longo que a maioria de nós teremos que percorrer. Apesar de Michel Hazanavicius ser francês e nascer em um país onde o devido valor e apoio é dado a arte, tenho certeza que o tapete vermelho do Kodak Theater – a casa do Oscar – em momentos pareceu-lhe tão distante quanto parece para mim e você, e é então que aparece a necessidade de um Billy Wilder.
* Sunset Boulevard (1950), The Apartment (1960) e Double Indemnity(1944) – meus três filmes favoritos do Billy Wilder.
Nos olhos do diretor do O Artista, Billy Wilder foi mais que apenas o melhor diretor que Hollywood não havia produzido, para Michel, Billy foi alguém que ele tinha com quem se espelhar. Um estrangeiro que chegou nos EUA com as mãos no bolso, fugindo dos nazistas, alguém, como ele, que nunca dominou a língua inglesa como um nativo, mas que escreveu alguns dos melhores roteiros de cinema em inglês até hoje. Para Michel, Billy Wilder foi essencial, pois ele foi um precedente.
É difícil contextualizar a importância de precedentes para nós, dreamers, pois os usamos quase de uma forma inconsciente e intuitiva, mas sem eles terem aberto muitas de nossas portas, estaríamos dando com a cara na porta, “more often than not“. Quando o Matt Damon e o Ben Affleck tentaram vender o seu primeiro roteiro, Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1996), para o poderoso produtor Harvey Weinstein na condição de eles atuarem no papel principal, o produtor respondeu, “Não, isto não existe, escritores não atuam em seu próprio filme.” Foi então, que os dois responderam, “Sylverster Stalone”. Sem Sylverster Stalone ter escrito e atuado em seu primeiro filme, Rocky (1976), e servido como precedente, a dupla poderia estar hoje esquecida em um sótão aqui em Boston, tentando escrever o seu próximo “grande” roteiro.
Infelizmente, é provável que algum amigo ou pessoa de confiança irá lhe subestimar, mas ninguém irá fazê-lo questionar suas decisões e te colocar mais para baixo do que você mesmo – por isto, carrego comigo um conjunto de amuletos. Billy Wilder é um deles, mas sempre que questiono a minha trajetória, e vejo a luz no fim do túnel se extinguindo, penso no Wes Craven, diretor do A Hora do Pesadelo (A Nightmare On Elm Street, 1984) que dirigiu seu primeiro filme com 33, Ang Lee, diretor do Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012) que fez o seu primeiro filme com 38, Ricky Gervais, que criou o The Office (2001) com 40 anos nas costas, Matt Weiner que ficou desempregado por cinco anos durante os seus trinta, antes de conseguir um emprego como escritor nos Sopranos, e eventualmente criar o meu seriado favorito, Mad Men e lembro do Stan Lee, que começou a sua carreira de cartunista com 44, quando criou o seu primeiro super-herói, o Homem-Aranha. E claro, Woody Allen, que apesar de ter sido um garoto prodígio, e ter iniciado sua carreira de escritor na adolescência, ele fez nesta última década – com seus setenta e tantos – o que eu considero os seus melhores filmes.
Então, procure em seus ídolos alguém com quem você possa se espelhar, seu precedente, seu amuleto. Se você é cego, e está lendo este artigo com a ajuda de uma engenhoca, conheça Joe M. Monks, um diretor cego que já escreveu e dirigiu três filmes. Não precisa ser alguém famoso, talvez um conhecido, que tenha sucesso em outra linha de trabalho, alguém da sua cidade, alguém da sua idade, alguém que você possa almejar ser um dia.
Abaixo traduzi o primeiro vídeo do Curso de Cinema de 10 Minutos do Robert Rodriguez (Robert Rodriguez 10-Minute Film School), criado em meados dos anos noventa. Robert Rodriguez é diretor do Sin City (2005) e escritor do renomado Rebel Without a Crew (1996), um relato detalhado sobre o processo de criação do seu primeiro filme de sete mil dólares, El Mariachi (1992). Recomendo o livro pelo o seu primeiro terço, onde o autor descreve como “vendeu” o seu corpo para para teste de drogas hospitalares em troca de dinheiro para financiar seu filme – o resto do livro é um diário de produção.
Quando o Oscar me fez aquela pergunta, com a sua entonação hostil, mas honesta – se eu iria ser diretor de cinema apenas porque eu sonhava ser – eu respondi, sem ponderar, com o mesmo tom de afirmação – mas sem ironia – que apenas a ingenuidade consegue conceder, “Ah-ham!” Desarmado pelo meu tom resoluto e determinado, ele replicou, limpando o sorriso do rosto, como alguém que tivesse levado uma bofetada na cara depois de rir da sua, “Tudo bem, então.”
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